Com agência sem dinheiro, Cooperativa leva Cafeara ao futuro

Matéria publicada na Folha de Londrina em 1 de junho

Sicredi deixa medo de assaltos a caixas eletrônicos para o passado e facilita transações com máquinas de pagamento eletrônicos para moradores

A agência bancária com o cofre cheio de dinheiro fez parte do imaginário do cinema policial hollywoodiano por décadas, mas não cabe na realidade, principalmente para os 2,9 mil habitantes de Cafeara, a 105 km de Londrina, na região Norte do Paraná. O temor de assaltos a caixas eletrônicos em cidades do interior, que não contam com policiamento, fez com que os bancos desistissem de oferecer acesso a cédulas e moedas.

A solução surgiu de uma aposta da cooperativa de crédito Sicredi União PR/SP, que implantou em março do ano passado a Agência Smart em Cafeara, um projeto-piloto de serviços e transações financeiras totalmente digitais. A adesão dos moradores fez com que a Sicredi iniciasse o processo para levar o sistema a outros municípios.

Na cidade, o dinheiro físico tornou-se coisa rara. Ninguém parece se incomodar com isso, pois todos os estabelecimentos comerciais e de serviços receberam maquininhas de cartão da Sicredi. Do posto de combustível ao consultório dentário, passando pelos botecos mais simples e pela autônoma que vende pizzas em casa, todos têm o equipamento.

“Melhorou muito a nossa vida. Mais de 90% da população têm cartão. Todo o comércio tem maquininha e, para mim, ficou muito mais fácil receber dos clientes”, explica o dono de uma autoelétrica, Júnior César Turosi. Ele acredita que, após a chegada da cooperativa, o dinheiro virtual dos moradores passou a circular mais pela cidade, beneficiando a economia local.

O caixa eletrônico mais próximo fica a 20 km, em Santo Inácio. “Antes, todo mundo tinha de ir receber o pagamento lá. Se tinha de fazer um conserto no carro, já fazia por lá. Se tinha de comprar sapato, também comprava lá”, diz Turosi.

Não há outra agência bancária na cidade. Cafeara já teve unidades do Bradesco e do Banco do Brasil, mas, com os assaltos, os bancos se retiraram. Os Correios já atuaram como correspondente, mas foram alvo de violência e também desistiram. “Infelizmente, a circulação de dinheiro atrai pessoas fora da lei. Então, a população ficou mais segura depois que todo mundo passou a usar só cartão. Nem mesmo a sede da Sicredi é procurada. Que ladrão vai arrombar lá se sabe que não tem dinheiro?”, questiona o morador Agenor Ferreira de Oliveira. Não há unidade da Polícia Militar, que conta com rondas esporádicas vindas de municípios vizinhos.

Dono do bar da rodoviária, Geraldo Magela Pires diz que quase todos pagam com cartão. Ele mantém uma quantidade de dinheiro físico no caixa e, às vezes, faz o papel de banco. “Quando a pessoa está precisando muito, me pede para reservar um dinheiro. Eu só cobro a taxa do cartão”, conta. Pires concorda que a cidade está mais segura. “Só eu fui roubado cinco vezes em 2016.”

Luis Arthur Turosi, dono de uma das padarias da cidade, é outro que não sente falta do papel moeda. “Mesmo os clientes que compram fiado vêm no fim do mês para pagar com o cartão.”

A dona de casa Rosicleire Martins Nunes, que faz pizzas para vender na própria casa, também aderiu à maquininha. “Todos meus clientes pagam com cartão. Se precisar mesmo de dinheiro tem de ir buscar fora da cidade.”

INOVAÇÃO E REDUÇÃO DE CUSTOS

O histórico de assaltos e arrombamentos em Cafeara é um dos fatores que afugentam os bancos. A quantidade de prováveis clientes também é um complicador, já que a cidade tem apenas 2,9 mil habitantes. “O custo de ter dinheiro torna a agência inviável. As despesas com logística, com seguranças e seguros são muito altas”, diz o gerente geral da Sicredi União PR/SP, Éder Romeiro.

Na Agência Smart, trabalham apenas duas pessoas, o gerente de negócios, Tiago Borlot Altino, e outra funcionária. “A gerência geral e a gerência financeira são compartilhadas com outras unidades, o que também reduz custos”, informa Romeiro. Além de Cafeara, ele responde pela cooperativa em Jaguapitã e calcula que, com essas medidas, o custo geral caia pela metade.

A criatividade na instalação da cooperativa também ajudou a conter custos, por estar instalada em dois contêineres unidos na forma de um “L”. E o terreno foi cedido em comodato pela paróquia da cidade. “A cooperativa valoriza a sustentabilidade. Usamos energia solar por meio de placas fotovoltaicas e captamos água da chuva”, conta o gerente geral.

Tiago Altino diz que, com exceção de movimentar dinheiro físico, a agência oferece todos os demais serviços de um banco comum. “Atendemos crédito comercial, crédito rural, a gama completa de seguros, como seguro agrícola, de equipamento, de veículos, seguro residencial… Também oferecemos consórcios, abertura de conta corrente, poupança e emissão de cartões”, cita. Também é possível fazer depósito em cheque.

A agência em Cafeara conta hoje com 550 clientes cooperados, de uma população economicamente ativa de 1.390 pessoas, segundo o Ipardes (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social). Para atingir esse número, foi preciso fazer concessões. Os cooperados não pagam manutenção de conta, nem anuidade do cartão. Os comerciantes também não tem custos no aluguel da maquininha.

Mesmo assim, de acordo com o gerente geral, a unidade já se paga. “A diretoria havia estipulado um prazo de 18 meses para termos retorno. Conseguimos em nove meses. Desde dezembro, estamos operando no azul.”

O diretor-executivo da Sicredi União PR/SP, Rogério Machado, afirma que a proposta da Agência Smart é atender as cidades desassistidas de serviço bancário. “Esse é nosso foco principal”, diz. A cooperativa já instalou uma segunda unidade do tipo em um distrito de Mococa (SP) e está com o modelo em implantação em Guaravera. “Queremos atingir o maior número de cidades possível.”

Junto à agência, a cooperativa leva para a cidade seus programas sociais: “A União Faz a Vida”, “Use e Devolva” (empréstimo, sem custo, de bicicletas) e a “Escola de Informática”.

Mudança de cultura entre clientes e comerciantes

O prefeito de Cafeara, Oscimar José Sperandio, afirma que a agência da Sicredi foi a melhor opção em relação aos concorrentes, que também não ofereciam a possibilidade de saques em espécie, por facilitar a adesão a cartões e a máquinas de cobrança por parte das lojas. “O principal motivo da abertura dessa agência foi a falta de segurança que temos em cidades pequenas”, diz, ao citar casos de explosões de caixas eletrônicos no interior do Estado.

Sperandio conta que houve estranhamento em relação ao uso do cartão, comportamento que foi vencido aos poucos. “Os comerciantes mais antigos não queriam aderir, mas hoje as pessoas estão fazendo pagamentos e recebendo apenas com cartão.”

A folha de pagamento da prefeitura também migrou para a Sicredi. “Fizemos uma licitação, mas o Bradesco, que era responsável por esse serviço antes, não quis participar porque não se adequaram às exigências. Muitos servidores pediram portabilidade de contas no início, porque estavam acostumados, mas agora estão voltando porque eles [a Sicredi] não cobram taxa.”

O prefeito também acredita que o interesse aumenta porque a cooperativa promove projetos sociais para capacitação de estudantes e profissionais, além de representar o associativismo, que é bem conhecido e forte entre produtores rurais. “Mesmo os mais idosos, que não sabiam trabalhar com cartão, estão se acostumando, porque não tem cobranças de taxas bancárias e, quando tem, é a metade do que os outros bancos cobram.”

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