É impossível cumprir e fiscalizar as 45 mil leis e 5,7 milhões de normas existentes no Brasil
Interpretando à risca o artigo 3º da Lei de Introdução ao Código Civil conclui-se que, depois de publicada, a lei passa a ser obrigatória para toda a coletividade. Uma das premissas do direito é que nenhum cidadão pode deixar de cumprir uma lei alegando desconhecê-la. No entanto, nem mesmo o mais profundo conhecedor da área é capaz de saber as mais de 45 mil leis vigentes no Brasil nas esferas municipal, estadual e federal.
De acordo com levantamento feito na Câmara Municipal de Londrina, são 12.576 leis municipais vigentes na cidade.
No Paraná, existem 19.099 leis estaduais. Com base nesse último cálculo foi formada, em setembro, na Assembleia Legislativa do Paraná, uma Comissão de Revisão e Consolidação das Leis, presidida pelo deputado estadual Tiago Amaral (PSB), de Londrina, que tem o objetivo de reduzir 30% da legislação.
Para Amaral, esse amaranhado de leis é resultado de uma ‘postura histórica’ que avaliava a produtividade de um parlamentar pela quantidade de leis que ele apresentava. “Ao contrário da aparente boa intenção de um parlamentar em criar leis, com esse excesso de leis cria-se uma falsa expectativa de direito, o que só aumenta o descrédito nos políticos e nas instituições.”
Na mesma linha, o diretor-secretário-geral da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), subseção Londrina, José Carlos Vieira, critica a maneira como as instituições tentam resolver os problemas fundamentais do País. “Tudo que acontece aqui querem resolver criando-se leis, como se fosse a única solução. Entretanto, as soluções nunca são pensadas a partir das causas e sim pelos efeitos”, ressalta.
O excesso de leis provoca prejuízos ainda mais graves na economia. Segundo estudo realizado pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação),foram editadas quase 5,7 milhões de normas (portarias, resoluções, decretos, etc), uma média de 798 por dia útil, desde outubro de 1988 a partir da Constituição Federal. Ainda de acordo com o levantamento, na área tributária, foram editadas 377.566 normas ou 1,92 norma tributária por hora (dia útil).
Também foram aprovadas 16 emendas constitucionais, além de inúmeros tributos criados como CPMF, Cofins, Cide, CIP, CSLL, PIS Importação, Cofins Importação, ISS Importação. O termo ‘direito’ aparece em 22% das normas editadas, Saúde, educação, segurança, trabalho, salário e tributação são temas que aparecem em 45% de toda a legislação. No entanto, somente 4,13% das normas editadas no período não sofreram nenhuma alteração. Para o advogado, esse excesso de legislação reflete diretamente no “custo Brasil” principalmente na área do direito tributário. “É humanamente impossível para qualquer empresário acompanhar esse volume absurdo de leis, decretos, normas que são criados a cada dia”, ressalta Vieira, lembrando que as empresas acabam tendo que investir cada dia mais em consultoria jurídica para atender à demanda de leis. “Obviamente, esse custo é repassado para o consumidor lá na ponta.”
POUCA EFETIVIDADE
Em Londrina, por exemplo, das 111 leis sancionadas pelo prefeito Marcelo Belinati (PP) em 2017, 65 têm pouco impacto na vida da população como um todo. São títulos de utilidade pública para entidades e de cidadão honorário. A instituição dos dias do Skate, da Música e da Pesquisa Agropecuária estão entre elas.
Outras leis também, apesar da boa intenção, acabam esbarrando num entrave: a fiscalização. É o caso da lei 12.562, promulgada em setembro, que proíbe o uso de telefone celular, rádio de comunicação no interior das agências bancárias. A multa prevista é de R$ 2 mil para a agência que não colocar cartazes de alerta. “Esse tipo de iniciativa é uma perda de tempo, de dinheiro público, não reverte em solução nenhuma, em benefício à população. Além disso, gera despesas, custos e enorme gasto público”, avalia o advogado.
Apesar disso, Vieira considera que a atividade legislativa tem uma “importância enorme” e sugere que os parlamentares, em geral, deveriam concentrar suas energias na fiscalização do Executivo. “Não existe democracia sem Legislativo, mas a questão é de consciência. O legislador deveria pensar melhor quando pensa em elaborar qualquer lei. Ele deveria discutir mais com a sociedade, ver a relevância do tema levantado e quais os reais benefício para população”, pondera Vieira.
LEI DE REVISÃO SERÁ REVISADA PARA DIMINUIR BUROCRACIA
“A legislação precisa ser modificada para atender a dinâmica das atividades de inovação”. Essa é a análise da pesquisadora e mestranda da UEM (Universidade Estadual de Maringá), Tatiana Fiuza, que acompanha a legislação para aplicar na Intuel (Incubadora Internacional de Empresas de Base Tecnológica) da UEL.
Segundo Fiuza, um dos entraves na lei paranaense é a necessidade de realização de licitação para a transferência ou licenciamento exclusivo de tecnologia de uma ICT (Instituição de Ciência e Tecnologia). “A nova lei federal não prevê mais a licitação, considerando necessário apenas a oferta pública da tecnologia no sítio eletrônico da instituição. Traz, desta forma, uma dinâmica que estimula a parceria ICT-empresa.”
A pesquisadora acredita que, ao se revisar a legislação estadual nessa área, seria possível alavancar o apoio do Estado a empresas com produtos ou serviços inovadores, como o bônus tecnológico. “Seria interessante que as novas modalidades de apoio também fossem incluídas na Lei de Inovação do Paraná para contribuir com o papel do Estado no apoio à inovação nas empresas”.
Segundo Fiuza, a diminuição de burocracia neste setor é fundamental para a competitividade das empresas. Ela lembra que em 2016, instituiu-se a Lei de Licitações e Contratos e a Lei dos Servidores Públicos no Congresso Nacional. “Neste sentido, é importante que haja uma atualização no Paraná no agrupamento das leis que estão diretamente ligadas aos mecanismos de estímulo à inovação. Se a revisão for feita somente na Lei de Inovação, é possível que posteriormente se encontre mecanismos em conflito com outras legislações.”
Por Guilherme Marconi